O mundo é dos que contemplam...

Por Patrícia Lobo - domingo, maio 21, 2017


Meu amor,

Vou ser sincera... Não dava nem metade da atenção que deveria aos pequenos pormenores que me rodeavam. Não o fazia propositadamente, apesar das minhas distracções constantes e a minha mente sempre muito aluada. O ritmo frenético de um dia que começou cedo. O ritmo acelerado de um dia que nunca mais chegava ao fim. Até que disse - Chega! E foi a melhor decisão da minha vida.

Ainda me lembro desse dia. Saí tarde do escritório, já sem vontade de chegar a casa e ter de cozinhar para uma só pessoa e comer sozinha recostada no sofá. O dia estava a ser péssimo; não havia como negar. Ainda me lembro que nesse dia não apanhei o comboio de todos os dias e decidi simplesmente andar pelas ruas da cidade.

Sem rumo. Era um resumo bem definido do que era naquela altura. Até podia ter muito do que qualquer pessoa normal desejaria - um bom emprego, uma casa acolhedora, independência - mas sabia que me faltavas tu, mesmo antes de o saber. E sem saber bem como, dei por mim sentada num banco alto de um dos bares da cidade.

Mantinha os braços apoiados no balcão e um copo de moscatel mesmo à minha frente. Encostei o copo nos lábios e senti o sabor doce e quente passar-me na boca. Foi nesse mesmo instante que te ouvi. Não a tua voz. As tuas mãos. O ritmo suave de uma melodia que sempre esperei ouvir. O ritmo intenso que me deixou ébria.

Tentei perceber de onde vinha o som. Rodava lentamente o corpo sobre o banco redondo quando os meus olhos se encontraram com a tua silhueta. A luz ia ao teu encontro, estavas no único sítio bem iluminado do bar. Conseguia ver todos os teus contornos. Conseguia sentir o movimento ritmado dos teus dedos enquanto passavam pelas teclas do piano. Tu e ele pareciam um só, envolvidos numa só harmonia. Distraí-me a pensar no quanto gostaria de ser aquele instrumento e ri-me quando pensei nisso. Quando voltei à realidade, cruzei-me com o teu olhar e sorrias de volta. Derreti tão depressa como o cubo de gelo que já desaparecera no copo que esqueci em cima do balcão.

Olhei-te toda a noite. Contemplei cada pormenor teu. Como nunca antes o fizera. Contemplei-te até ao fim dos teus dias, meu amor. Foi contigo que entendi que o mundo é dos que contemplam o amor. Tu és o meu. E eu hei-de sempre querer olhar-te uma vez mais, mesmo que agora tenha de fechar os olhos e imaginar-te aqui.

Sempre tua

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2 comentários

  1. Que texto lindo, e tão cheio de sentimentos... consegui imaginar a cena por completo, como se fosse um filme. Amei, de verdade! E o título diz tudo, não é?

    Beijos, Mari.

    www.letrasnagaveta.com

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    1. Muito obrigada pelas palavras e pela visita aqui no blogue, Mariana!

      Beijo

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