1+3

1 + 3 | Uma situação de coragem

Por Patrícia Lobo - sexta-feira, outubro 05, 2018

Fonte
Hoje escrevo sobre a minha avó. Escrevo sobre ela e a coragem que tive de alcançar pelas duas, nos últimos dias em que ela esteve connosco.

Fevereiro de 2015. Nessa altura, vivia com os meus avós para ficar mais perto da faculdade. A minha avó lutava contra um cancro há quase 4 anos. Nunca parou. "Parar, é morrer", dizia ela. Mas a doença estava a deixá-la cada vez mais fraca. Passava os dias todos deitada na cama ou a dormitar no sofá.

Nos últimos dias que ela passou em casa, decidi ficar com ela e não ir à faculdade. Não havia ninguém com mais disponibilidade do que eu. No entanto, não foi fácil. Nunca é fácil veres uma força da natureza quebrar diante dos teus olhos. E foi isso que senti ao olhar para a minha avó nesses dias.

Numa manhã, estávamos as duas sentadas no sofá a ver televisão, mas ela disse que se queria ir deitar um pouco. Levantei-me para a levantar a ela. As suas pernas tremiam. Por mais que tentasse não a conseguia manter em pé, apenas com a minha força. De tal forma que, já não a conseguia manter em pé, nem sequer conseguimos que ela se voltasse a sentar no sofá. Deslizámos e ficámos sentadas no chão e recuperar forças. Eu tinha um nó na garganta. Liguei ao meu avô e ficámos as duas a conversar, enquanto esperávamos por ele.

Neste compasso de espera, a minha avó queria ir à casa de banho e eu nada pude fazer. Assim que o meu avô chegou, levámo-la para a casa de banho. Tive de limpá-la, pois não chegámos a tempo... E foi aqui que eu própria tive de me controlar e arranjar coragem para não começar a chorar à sua frente. Tinha de ser forte pelas duas. Ela foi forte por mim, uma vida inteira. Disse-lhe que estava tudo bem e que já estaria deitada e pronta para descansar num instante. Assim foi.

Depois deste episódio, fechei-me no quarto e chorei. Chorei por me sentir fraca e por não poder ajudá-la tanto quanto gostaria.

Uns dias depois, fui passar o fim de semana a minha casa. Antes de ir, dei-lhe um beijo na testa e disse "Adeus, vó! Vê lá se descansas." Foi a última vez que a vi.

Este texto faz parte do Desafio 1+3

  • Partilha:

Também Poderás Gostar De

18 comentários

  1. Somos tão pequeninos perante o sofrimento dos nossos... Esse sensação de impotência chega a ser perturbante, porque queremos proporcionar-lhes o maior conforto e nem sempre está ao nosso alcance.
    Foram umas guerreiras <3

    r: Vais sempre a tempo. Não é que tenha lido muitos livros dela, mas adorei todos!

    Oh, não te preocupes, minha querida, são coisas que acontecem :)
    As minhas expectativas estão elevadas, confesso

    Enche-me o coração ler isso. Muito, muito obrigada *-*

    ResponderEliminar
  2. É curioso que a minha avó materna também faleceu de cancro em Fevereiro de 2015, e lembro-me como se fosse hoje das últimas palavras dela: "Deixa-me dar um beijo à minha neta", depois sedaram-na. Esta impotência é horrível.

    Beijinhos :*

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É realmente um sentimento sufocante. Mas agora estão no lugar melhor, acredito.

      Beijinhos

      Eliminar
  3. Essa sensação de impotência deixa-nos sempre de rastos, quando queremos fazer mais pelos nossos, mas não conseguimos e está fora dos nossos alcances. No entanto, minha querida, foste mesmo muito corajosa e fizeste o que podias, tenho a certeza que ela sentiu isso e sabe isso melhor do que ninguém <3

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada minha querida! Também acredito que ela tenha sentido isso. Faria tudo por ela, claro. Obrigada pelas palavras!

      Beijinhos

      Eliminar
  4. Esta tua história deixou o meu coração apertadinho. Foste muito corajosa, acredita. E a tua avó está muito orgulhosa de ti, não duvido!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada, minha querida, pelas tuas doces palavras. Espero mesmo que sim!

      Eliminar
  5. r: Que memórias tão boas *-* até fiquei com vontade de ir aos chineses comprar um saco de berlindes

    ResponderEliminar
  6. Meu deus, nem quero imaginar como é estar numa situação destas. Foi mesmo necessária imensa coragem. Eu teria chorado sem parar, porque há situações em que não consigo controlar o choro. Mas acima de tudo, soubeste que estiveste lá para ela, que fizeste o que estava ao teu alcance até ao fim dos seus dias. Sinto muito querida. Ela deve ter imenso orgulho em ti. Beijinho grande! 😘😘

    www.bycarolina.pt

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada pelas palavras, Sofia! Espero muito que sim, que ela tenha orgulho em mim, como eu tive dela, toda a minha vida!

      Beijinhos

      Eliminar
  7. Patrícia, seu depoimento me emocionou, imagino como deve ter sido difícil passar por essa situação. Não é fácil vermos uma pessoa que amamos sofrer, e ainda mais quando já não está ao nosso alcançe o ajuda necessária. Vc foi uma neta muito amorosa, fez o que pôde pra amenizar os dias de sua avó, com certeza foi um acalento para o coração dela. Agora ela está descansando em um bom lugar. Bjs❤

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada pelas palavras, Patrícia. Gosto mesmo de acreditar que ela está num sítio melhor agora, feliz e forte, como sempre foi! Beijinhos

      Eliminar
  8. Lembrei-me de mio nono, que teve Parkinson. Acordou e disse 'senti alguma coisa estourar dentro' e começaram os tremores, pequenos e rápidos. Nunca antes tinha ouvido falar dessa doença. Nem sabia do que se tratava e foi muito difícil vê-lo ruir, como um prédio, diante de meus olhos.
    Por tudo isso, lhe compreendo e lhe abraço.
    Grata pela partilha, cara mia
    Fique bem

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Apesar de nunca ter tido contacto com alguém com a doença, acredito que tenha sido bastante difícil também. É sempre doloroso ver alguém de quem gostamos perder as suas forças. Um abraço forte para ti também! Fica bem!
      Beijinhos

      Eliminar
  9. A minha avó materna também morreu com um cancro, faz hoje 4 meses... Por isso, neste momento, revejo-me muito nas tuas palavras. A minha avó também era uma força da natureza, como a tua, e nos últimos dois anos foi definhando aos poucos. Ao longo do tempo fomos descobrindo alguns problemas, mas só descobrimos o principal este ano e foi tarde de mais. A minha avó foi para ao hospital e foi operada. Consegui vê-la e estar com ela depois disso e foi também a ultima vez que a vi... Uns dias depois, ela piorou e tiverem de entuba-la pois já não consegui respirar sozinha. Eu não fui capaz de a ir ver estando ela assim... Eu sabia que se fosse ia desabar e ia acabar por enerva-la. Foi para me proteger a mim e a ela. Dois dia depois, fazem hoje 4 meses, a minha avó descansou... Só ficou uma dor muito grande e um vazio que nunca mais vou conseguir preencher... Parece que foi o destino que quis que eu encontrasse estas tuas palavras neste dia que ainda é tão difícil... Obrigada!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Minha querida, a dor é sempre terrível. Nunca estamos preparados para perder quem amamos. Compreendo aquilo a que te referes. Foste também muito corajosa, protegendo a tua avó! Ela faria o mesmo por ti, com toda a certeza.
      Com o tempo, tudo melhora. E ainda bem que te pude ajudar de certa forma! Muita força! Ela estará sempre ao teu lado. Acredito mesmo nisso!

      Beijinho

      Eliminar

Muito obrigada pela visita! Estou ansiosa por ler o teu comentário.

A resposta aos comentários será dada aqui.