Começa cedo o dia e bates três vezes na porta da minha casa. Sei que és tu, só podes ser tu a esta hora. Envolve-me um calor humano e harmonioso, acompanhado de um beijo terno de bom-dia. Enquanto continuas a tentar beijar-me a bochecha, o nariz e a testa, tento fechar a porta atrás de ti. Estamos mais à vontade assim, não estamos? Ainda falta tempo para o piquenique e, por isso, vamos ver um filme, daqueles lamechas, em que no final eles são felizes para sempre. Como nós podemos ser um dia, se tu quiseres, tal como eu quero. Lá no fundo eu sei que gostas de os ver. Principalmente comigo. Podemos fazer pipocas e trazer dois copos cheios de sumo fresco para a sala. O sofá está por nossa conta. Pões-te confortável e encostas-te no teu lugar favorito do sofá. Sim, tu tens um lugar favorito. Eu também tenho e é encostada a ti. Assim ficamos, fazendo alguns intervalos repletos de beijinhos, agarrados até o filme acabar. Já são horas de irmos. Chegar à estação demora e o parque ainda fica longe, já para não dizer que temos de preparar o almoço. Saímos de casa. Apressas-te a dares-me a tua mão, como se tivesses medo que fugisse para algum lado. Como se isso fosse possível até. O teu sorriso é radioso e o brilho do teu olhar quando cruza o meu é demasiado especial para o conseguir descrever em palavras, pois não existem suficientes e certas para o fazer. Continuamos assim até à estação do metro e, da estação de metro até ao parque, entre risos, beijos e promessas ternas ao ouvido. Não está muita gente por aqui, talvez por ser quinta-feira, dia de semana. Não há tempo para vir ensinar a filha a andar de bicicleta ou jogar à bola com o filho. Há o sábado e o domingo e quando o é. Arranjámos o sítio perfeito para passar a nossa tarde de verão. Estendemos a manta vermelha sobre a relva verde e fresca e comecei a distribuir as maravilhosas sandes preparadas por ti, enquanto me vestia no quarto, esta manhã. E o sumo de laranja? Uma delícia. Como sei que és guloso, trouxe dentro da minha mala alguns chocolates, daqueles teus preferidos. Não sei onde tinha a cabeça quando os coloquei lá. Ora, eles agora estão derretidos, mas isso não é impedimento para sujares os teus dedos e a seguir o meu nariz, não é verdade? Arrumámos tudo e deitámo-nos na manta. O teu braço direito faz agora de almofada para a minha cabeça e as nossas mãos envolvem-se novamente. O céu está bonito, com algumas nuvens. Não nuvens negras. Brancas, bonitas e com tantas formas diferentes. Tu vês a forma de um coração, mesmo acima das nossas cabeças. É, lá está essa nuvem. Será o meu coração ou será o teu? Tu respondes que é o nosso, porque somos um só. Senti os teus lábios na minha testa. Ai, como eu gosto de beijinhos na testa. Dos teus beijinhos. O dia voou e já se faz tarde. Leva-me para casa, meu amor.
Vamos fingir que estamos apaixonados. Só hoje. Só esta noite. Vamos deitar-nos no meio da estrada, a ver as estrelas. Não passam carros a esta hora da madrugada. Só se ouve o vento a passar por entre as folhas das grandes árvores nas margens. Apanhas uma estrela para mim ou dás-me somente a Lua? Bem, simplesmente não interessa. Eu só queria que me desses o teu coração e recebesses o meu em troca, se prometesses cuidar dele, sem o magoares ou ferires. Lamento que só em falsas ilusões isso possa vir a acontecer. Lamento que sejam essas ilusões que alimentem o meu amor por ti. É mais forte que eu. Desculpa-me por isso. Desculpa-me por ter tornado tudo tão estranho, mas por vezes é impossível esconder algo que é mil vezes maior que nós. Vamos continuar a fingir que estamos apaixonados. Só por mais uns momentos. Não falta muito para amanhecer. Vamos viver este amor até ser dia. Depois deixo-te ir. Segues o teu caminho e eu permaneço neste mesmo lugar, à tua espera. Para sempre, em vão.
Abraça-me. Preciso tanto de sentir o calor do teu abraço, do teu corpo. Envolve-me nos teus braços como se de uma última vez se tratasse. O dia está a ser difícil e no fim só queria mesmo poder sentir-te. Não sabes, nem sequer imaginas a falta que me faz ter-te aqui comigo. Ouvir a tua voz, escutar a tua respiração. Por favor, vem abraçar-me esta noite.
"Desejou que ele a beijasse. Quis que ele arrastasse sua mão e a puxasse para si.", in A Rapariga que Roubava Livros.
Não és quem aparentas ser, nem nunca foste. Usas essa máscara arrogante e fria, talvez nem por escolha própria. Talvez as circunstâncias te tenham forçado a colocá-la. Com ela, sentes-te mais forte e superior. Não me admiro por te acharem uma má pessoa, quando usas essa força e suposta superioridade para enfraquecer e inferiorizar os demais. Isso faz-te sentir melhor? São as palavras cruéis e os gestos desumanos que te alimentam? Se assim o é, não devia. Não devia ser essa a razão que te move, porque um dia, essa máscara cairá por terra e sentirás a tua própria frieza correr-te pelo sangue. Irás sentir-te tão ou mais frágil do que todos aqueles que silenciaste de forma vil.